Talentos que se perdem, etapas que desaparecem, equipas que se desmoronam
O ciclismo é entendido como uma das modalidades com mais força em Portugal. Aliado à competição e ao lazer, a modalidade mostra que popularidade não lhe falta. Contudo, os aplausos, os assobios, os beijinhos e o champanhe tendem a diminuir, sendo cada vez mais raras as oportunidades para ver de perto os grandes profissionais da modalidade. O esforço dos ciclistas é cada vez menos reconhecido e os apoios financeiros que permitem manter as equipas de ciclismo na estrada põem-se em fuga.
Longe vão os tempos em que o ciclismo era visto como um desporto fortemente aplaudido e que gerava enormes receitas, tanto em patrocínios como em prémios aos ciclistas que melhor competiam.
Nomes como Joaquim Agostinho, Venceslau Fernandes, Marco Chagas, Orlando Rodrigues ou Cândido Barbosa marcaram o seu registo nas grandes provas do ciclismo português, chamando impressionantes números de adeptos para assistir ao primeiro a cortar a meta. Mas hoje, cada vez menos são aqueles que saem à estrada para ver passar uma competição de ciclismo ou mesmo para aplaudir o esforço dos profissionais mais reconhecidos da modalidade.
A ligação com o desporto rei permitiu que o ciclismo fosse adquirindo uma popularidade crescente. O amor à camisola invadiu as estradas em força, sendo as décadas de 70 e 80 marcadas por vitórias intrinsecamente relacionadas ao futebol. Todavia, após o afastamento dos três grandes, o ciclismo sentiu o vazio e deixou de beneficiar da componente de apoio incondicional.
A equipa do Sporting CP, com marca patente desde a Volta de 1911 afastou-se da modalidade na época de 1987, após a quarta vitória de Marco Chagas com a camisola leonina. Mesmo com tentativas de reintegração na estrutura de elite das competições, a crise começava a falar mais alto, impossibilitando angariar os apoios financeiros necessários para suportar uma equipa com aquela envergadura. O mesmo aconteceu com as formações do FC Porto e do SL Benfica, retirando-se ambas definitivamente em 1984 e 2008, respetivamente.
A desistência destas equipas de elite despoletaram uma sequência de abandonos e, na viragem do século, poucos eram os que continuavam a acreditar na possibilidade de manter o ciclismo como uma modalidade de topo no panorama desportivo nacional.
Em 2006, as grandes marcas que emprestavam o nome a equipas profissionais começaram a desmoronar. Os efeitos da crise eram cada vez mais acentuados e o patrocínio a ciclistas deixou de ter justificação.
Com 10 formações em 2006, o plantel de elites começou a reduzir-se significativamente, podendo contar hoje apenas com a Effapel/Glassdrive, LA Antarte, Carmim-Prio-Tavira e a Onda-Boavista.
Mas os esforços para as manter em competição não são montanha fácil de pedalar. Mário Rocha é técnico da formação de Paredes, LA Antarte, e refere que a falta de apoios levou a um aumento dos sacrifícios para a manter na estrada.
Apesar da massificação do uso da bicicleta em contextos diários, seja para contrariar os preços elevados dos combustíveis ou por questões ligadas ao exercício físico, a verdade é que o Ciclismo em si, como modalidade desportiva e profissional, tem visto os orçamentos baixar substancialmente, tornando-se mínimas as hipóteses de apostar numa carreira remunerada como ciclista.
Enquanto que uns culpam a crise económica pelas dificuldades na modalidade, outros referem a perda de apoio devido aos casos de doping que desprestigiam o desporto. O jornalista d'A Bola, Fernando Emílio Vale, identificou os factores que acentuam a crise neste desporto.
Nos últimos cinco anos, o ciclismo assumiu-se como uma modalidade em crise. Dezasseis dos patrocinadores que habitualmente emprestavam o nome a equipas profissionais abandonaram o desporto. As Câmaras Municipais, que se mostravam como um dos maiores veículos de organização de provas de ciclismo, resolveram retirar-se, com o intuito de conter despesas.
A maximizar esses problemas está a própria comunicação social que, com a exceção da Volta a Portugal, pouco ou nada refere os eventos e as vitórias que vão acontecendo ao longo de toda a época.
A falta de mecanismos para manter o ciclismo como uma modalidade de topo tem levado os ciclistas a envergar por outros caminhos, numa tentativa de conseguir lugares nas grandes equipas estrangeiras. No ano passado, seis ciclistas portugueses já davam avanços nas equipas de elite lá fora. Atualmente, o número aumentou, contando o pelotão profissional de estrada com 11 portugueses a competir tanto na WorldTour como no escalão Continental.
No entanto, o ciclismo tem estado desde sempre assombrado por casos de doping, que justificam em grande parte o afastamento de entidades que se manifestavam como a grande potência por detrás de uma equipa.
Numa altura em que os patrocinadores se afastam, deixando as formações em extremas necessidades, são poucos os que ainda apostam na modalidade. Nos últimos nove anos, a Liberty Seguros tem-se mostrado um dos patrocinadores oficiais mais coesos e resistentes às polémicas. Depois da acusação positiva nos testes anti-doping de um ciclista patrocinado pela companhia de seguros, a entidade repensou os seus meios de apoio. Zaida Miranda é responsável pelo Marketing Corporativo e Institucional da Liberty Seguros e relata que “Entre 2005 e 2009 a Liberty Seguros teve na estrada uma equipa profissional de ciclismo mas quis o destino que saboreássemos o sabor amargo da derrota após a Volta de 2009, quando Nuno Ribeiro acusou doping, sendo-lhe retirado o título de Campeão. Como imediata resposta criamos um movimento ativo contra o doping, numa campanha de boas práticas desportivas, designada por Onda Azul Anti-Doping.”
Apesar das críticas, a Liberty Seguros assume-se como o principal patrocinador da 74ª edição da Volta a Portugal, tendo mostrado interesse em apoiar a maioria das provas desenvolvidas ao longo da época de 2012. “Por ser um desporto que vai ao encontro das populações e passa mesmo à porta das suas casas, a nossa forte aposta na Volta reforça a oportunidade de estreitar relações com as comunidades onde estamos presentes. Vimo-nos forçados a deixar o patrocínio a uma equipa profissional devido a circunstâncias que nos angustiaram mas que nunca diminuíram a nossa paixão pela modalidade, praticada no espírito da verdade desportiva, da sã concorrência e do esforço individual e coletivo limpos.”, assegura Zaida Miranda.
Com um panorama cada vez mais negro, o Ciclismo em Portugal mostra-se envolvido numa profunda crise. Muitos são os jovens ciclistas que abandonam cedo demais a modalidade, mesmo antes de envergar em provas de alta competição. Os apoios que ainda resistem não são suficientes para contrariar o poderio do futebol, ficando o Ciclismo muito aquém das metas que, em tempos, conseguiu alcançar.
O presidente do Sport Ciclismo de São João de Ver afirma a perda de jovens promessas
Por seu lado, os ciclistas falam em cada vez mais perdas monetárias e muitos afirmam até que "pagam para correr".